UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"

Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Araraquara
  Agenda Pós-Graduação - Ciências Sociais

Aluno(a) José Vicente Mazon
Titulo Chico Buarque: a "construção" artística da realidade social
Orientador(a)
Data 08/10/2002
Resumo Na última década do século XX, a obra de Chico Buarque sofreu uma mudança significativa numa das características fundamentais que marcou toda sua produção anterior, dos anos 60 aos 80, qual seja, o veio utópico de sua arte. Boa parte de suas canções e obras literárias, desde o início de sua carreira artística, estava repleta de uma postura utópica frente a todo fatalismo vivenciado dia-a-dia durante os vinte anos de ditadura militar no Brasil (1964-1984), e também frente à esperança da possibilidade de democratização vivida na segunda metade dos anos 80. Contudo, nos anos 90, embora permaneçam o lirismo e a nostalgia, embora permaneça a crítica com força ainda maior, a arte de Chico Buarque apresenta significativo esmaecimento da sua dimensão utópica. A hipótese sustentada por este trabalho é que tais transformações, especialmente verificadas nos romances Estorvo (1991) e Benjamim (1995), mas também presente, por exemplo, na canção Dura na queda ou Ela desatinou nº 2 (2000), estão em sintonia com as caracterizações que Fredric Jameson faz acerca da sociedade pós-moderna, bem como com as definições que Guy Debord aponta para a sociedade do espetáculo - conceitos importantes para o entendimento da sociedade que se gestou, após a II Guerra Mundial, em âmbito internacional, e no Brasil com o advento do governo militar ditatorial: uma sociedade de base econômica capitalista, que só faz estreitar ainda mais as relações de dependência dos países periféricos em relação ao centro hegemônico; uma sociedade em que houve uma avassaladora expansão da indústria cultural a acirrar o estado de alienação em que se encontram grande parte dos indivíduos, impelidos ao consumo supérfluo de mercadorias, que se estendem dos produtos materiais aos culturais; por fim, uma sociedade que torna difícil para indivíduos, grupos e classes elaborarem um seu juízo crítico, o que afeta sua capacidade de intervir na história, na construção de um outro mundo. O enfoque dado pela presente pesquisa procurou demonstrar que, se nos anos 60 e 70 as características de nostalgia, utopia e crítica encontradas nas criações artísticas de Chico Buarque expressavam conteúdos políticos e sociais específicos, nos anos 80 e 90 a nostalgia circular e a morte das utopias descrevem um mundo banalizado pela materialidade imediata dada pela lógica do capitalismo tardio, um tempo histórico que parece desconhecer qualquer continuidade, no qual o homem, feito um esquizofrênico, estaria condenado a viver num eterno presente, desconectado com qualquer passado ou futuro - tal como vislumbra Fredric Jameson em suas análises sobre a pós-modernidade. Ou ainda podem ser a expressão de uma sociedade modelada pelo império do espetáculo, sob as formas da mídia e do entretenimento, que tudo reduz à mera representação ilusória do real, no qual a relação social entre as pessoas passa a ser mediada por falsas imagens e por uma falsa consciência do tempo que, por sua vez, resulta numa paralisia da memória histórica - exatamente como a análise proposta por Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo. Tal interpretação é significativa das obras recentes de Chico Buarque, especialmente seus dois romances, Estorvo e Benjamim. Em ambos os enredos, freqüentemente nos deparamos com um cotidiano social marcado pela rotina massificante da vida regrada pela mercantilização dos indivíduos, pela efemeridade das relações interpessoais dos personagens, pela perda do sentido espaço-temporal e pelo conformismo político que, desprovido de toda utopia, acaba por esvaziar qualquer horizonte de transformação social. A sociedade redigida nos romances pode ser sintomática de uma época cindida pelo auge da barbárie capitalista, pois composta por indivíduos aparentemente incapazes de qualquer discernimento ético ou estético. Em última instância, a soma dessas características pode simbolizar uma reificação generalizada dos indivíduos, imersos em um processo histórico excludente e alienante que resulta, por fim, na esquizofrênica e espetacular vida em sociedade, tal qual se apresenta às portas do século XXI. Assim sendo, os romances Estorvo e Benjamim, juntamente com a canção Dura na queda, obras produzidas no início, meio e fim da década de 1990, respectivamente, podem ser figurativas das características psico-sociais acima apontadas, de forma que o fato de tratar em obras de arte a realidade social à qual estão circunscritas, e de maneira tão dramática como visto, antes de simples reducionismo, constitui dura crítica à sociedade ao revelá-la em seus nervos mais salientes.
Tipo Defesa-Mestrado

APG 2.0
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